domingo, 18 de julho de 2010

PERDOE-ME

Consultado, o dicionário virtual assegura que o significado da palavra perdoar, em primeiro plano, é absolver, amnistiar, indultar; num segundo ou terceiro plano significa aceitar, suportar, tolerar.

Não, não estou prestes a aproveitar a amplitude da internet para, publicamente, desculpar ou pedir desculpas a quem quer que seja, ainda que, neste exato momento, eu consiga pensar em pelo menos uma meia dúzia de pessoas a quem eu, sinceramente, deveria pedir perdão por algo que fiz, ou deixei de fazer.

Tampouco farei apologia à culpa, ou uma virtual aclamação à nossa formação predominantemente católica, que um dia nos fez acreditar no perdão como a única via de salvação para uma vida de pecados (!).

Não é nada disso.

A expressão "perdoe-me" simplesmente tomou conta da nossa casa, digo, da minha casa, que se torna nossa, já que nela desfruto, com alegria, a companhia permanente das pessoas que amo, em especial meus filhos, entre eles, obviamente, minha enteada, que teve um papel memorável na divulgação e consolidação do tema.

Em verdade, as crianças são as verdadeiras autoras do contexto.

Um belo dia, na mesa de alguma refeição com audiência completa, Alice, minha primogênita, para demonstrar seu absoluto domínio sobre determinado tema então discutido, soltou essa pérola: "perdoe-me, mas eu domino esse assunto".

Como assim, perdoe-me?? Estaria ela nos pedindo perdão por saber mais que todos nós sobre aquele assunto?? Teria cabimento pedir perdão por isso? Ou seria uma forma de nos humilhar? De gritar o quanto éramos todos desinformados e inferiores diante de tanto domínio e tanto conhecimento?

Justamente.

"Perdoe-me" se transformou rapidamente numa jovial inversão; exatamente o contrário daquilo que tradicionalmente poderia significar ou refletir.

Quem quer que utilize essa palavra em condições normais de temperatura e pressão sobreleva a humildade e se coloca aos pés daquele a quem desagradou.

Aqui não.

"Perdoe-me" em nosso doméstico contexto acabou virando o oposto. Uma cômica farpa, aguda e afiada, eivada da mais absoluta falta de humildade, lançada como a única resposta cabível para quem ainda não se tocou ou não entendeu quem é que realmente domina certa assunto por aqui.

Virou uma febre e todo mundo repete nos contextos mais variados, porque, afinal, descobriu-se que a expressão é elástica e se encaixa nas mais variadas situações.

Então ficamos assim, se você genuinamente se orgulha de algo ou tudo na sua vida; se não se envergonha de nada que fez ou deixou de fazer; se é doce a memória da sua última aquisição, ou da sua última refeição; se você realmente se encanta pelos amigos que tem e se sente pleno diante das pessoas que ama; enfim, se você, mesmo de vez em quando, se sente o máximo e não tem a mínima vontade de ser humilde, nem se constrange por isso, grite pro mundo: "PERDOE-ME"!!!


segunda-feira, 12 de julho de 2010

QUEM NUNCA SENTIU FALTA DO SOFRIMENTO QUE FOI SUPERADO?

Pode parecer estranho, mas em dados momentos flagro em meus pensamentos um sentimento de saudade dos momentos difíceis que um dia passei nessa vida. Não foram muitos, muito menos diria que são todos dignos de registro, sobretudo quando sou martelado pelo noticiário diário de desastres, assassinatos, enchentes, crianças violentadas, padres pedófilos e toda sorte de má notícia editada em diversas dimensões da vida cotidiana.
Alguém já me havia dito que o sofrimento forma o caráter da pessoa, além de ser indeletável essa coisa toda "Viniciana" da minha geração de "quem já passou por essa vida e não viveu..."
O fato é que, apesar da proximidade do desespero de alguns momentos, essas sensações podem mesmo fazer falta. É que, acredito, quando estamos no mais absoluto estado de miséria emocional, não temos a noção de que naquele instante estamos adquirindo musculatura mental, quilômetro rodado, vivências. As sensações de angústia, muitas vezes potencializadas pela solidão, pelo frustração, pela saudade, ou até, pela falta de esperança criam uma casca, uma espécie de cicatriz emocional que, volta e meia, agente tem vontade de passar a mão, só pra ter a certeza de que continua ali e que nunca vai nos abandonar.
O sofrimento se torna assim, um amigo, uma espécie de ponte que conduz você a você mesmo; uma passagem para um plano inconsciente vital que integra a sua existência e a sua personalidade; uma inteligência experimental.
Nesse sentido, por vezes nos lembramos de momentos terríveis e sentimos aquela inclinação pelo de ja vou. Uma saudade da dor pretérita, que certificou, em dado momento, o fato de estarmos vivos. É como se desejássemos resgatá-la, só para recuperarmos a sensação de proximidade com o mais profundo de nossas almas. Um reencontro consigo mesmo a partir do resgate das sensações daquele que parecia, e deve ter sido, um terrível momento de nossas vidas.
O fato é que, por outro lado, a dor verdadeiramente cicatriza, congela; não conseguimos resgata-la, pois cada dor tem seu momento próprio, um palco único, incofundível e inconfessável.
Numa tentativa quase desesperada de descrever a sensação, eu diria, por fim, que a dor não deixa saudade, o que faz falta é a proximidade que ela produz e traduz de nós mesmos, uma sensação de força e poder que nos permite confiar que estamos prontos pra outra; a convicção de que aconteça o que acontecer aquele momento, por mais doloroso que tenha sido, foi só seu e ninguém é capaz de arranca-lo da sua memória viva, latente.
A motivação dessa estranha sensação, creio eu, é a riqueza que só a crise é capaz de produzir; a possibilidade, juntamente com o desafio, de reinventar a vida a cada tropeço, a cada queda e a cada desilusão.
Por último, não vai funcionar se você buscar pretensiosa e obssessivamente as dores do passado, ou pior, querer produzir dolosamente novos episódios de tristeza artificial; só a dor verdadeira faz agente ter saudade.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Um Post Inaugural.

Um post inaugural. Uma sensação. Um propósito.
Esta é a primeira vez que escrevo publicamente na internet. Trata-se de um desejo antigo, uma idéia que, sob o meu rígido controle de qualidade, exigia amadurecimento e determinação.
O que realmente me atraiu na possibilidade de criar um blog foi a quantidade de impressões que tenho do cotidiano e que me provocam uma certa criatividade crítica, além de uma vontade, até então contida, de dividir esses insights com o resto do mundo. Não se trata de reportar acontecimentos importantes ou não, ou mesmo de simplesmente comentá-los.
Apesar da minha frustração em não ter me tornado jornalista (primeira confissão inédita), não acho que a essa altura do campeonato seja prudente mudar o time, afinal os tempos são outros e já ficaram distantes as possibilidades e as opções da juventude. Lembro daquela aprovação no vestibular para o curso de Medicina Veterinária que só eu comemorei.
O fato é que a internet, em sua amplitude anacrônica e descontrolada, permite a um mortal como eu derramar impressões de um sujeito comum, um não celebridade, um desconhecido, um inquieto, enfim.
É verdadeira a sensação de que, depois de alguns anos e alguns cabelos brancos, poucas coisas passam despercebidas e parece incrível como o espírito crítico da humanidade se abriga, quase recluso, nos recantos da intelectualidade.
Vamos, pois, democratizar as análises, permitir que o óbvio vista roupa nova e que dia após dia a vida se torne mais instigante.
Proponho, a título de metodologia, desenhar textos curtos, sem frequência regular e sem pautas definidas. Uma indisciplina para o bem; uma quase liberdade (digo quase, em virtude do meu controle - auto-crítico - de qualidade).
Enfim, vamos apostar no que sequer podemos ver. Advirto, por fim, que o futuro dessa idéia não me pertence.
Abraço a todos.